HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DE GADO NA PARAÍBA

Por Leopoldo Costa

A Paraíba de hoje compreende o antigo território da Capitania de Itamaracá. A Capitania de Itamaracá foi uma das quinze divisões originais do território brasileiro entregues a donatários em regime de hereditariedade. A Capitania foi doada a Pero Lopes de Sousa (1497-1539), em 1534. O território da estendia-se desde a linha imaginária de Tordesilhas até a costa, tendo como limite norte a baía da Traição (Paraíba) a feitoria de Igarassu (Pernambuco). Foram capitais da Capitania as cidades de Itamaracá e Goiana. Pero Lopes de Souza, que não pode assumir vindo em seu lugar o administrador Francisco Braga, que deixou a capitania em má situação financeira. Pero Lopes de Souza nomeou então o tenente João Gonçalves para dirigir a capitania. Era um bom administrador procurou o equilíbrio financeiro, fundou Vila Conceição (hoje Conceição) e construiu alguns engenhos, porém faleceu durante o exercício do cargo.
O donatário da capitania também veio a falecer em 1539 e as terras voltaram ao patrimônio da Coroa. O domínio do território pelos Potiguares era uma ameaça à segurança dos colonizadores

Em 1574 um incidente conhecido como ‘Tragédia de Tracunhaém’, ocorreu no engenho Tracunhaém em Pernambuco, próximo a atual cidade de Goiana. Esse episódio foi causado pelo rapto da filha do cacique potiguar por Diogo Dias proprietário do engenho Tracunhaém. O cacique tentou várias maneiras para libertar a moça, enviando inclusive emissários a Olinda, sem o menor sucesso. Em represália o cacique reuniu vários chefes potiguares e com quase mil homens atacou o engenho de Diogo Dias. Houve uma verdadeira chacina no local, seguindo-se o incêndio do engenho. Após esta tragédia, Dom Sebastião (1554-1578), rei de Portugal, pelo decreto real de janeiro de 1574, decidiu criar a capitania real do Rio Paraíba desmembrando-a da capitania de Itamaracá. As terras da nova capitania tinha como limites um paralelo que passava pela foz do rio Popoca e por outro que passava na baía da Traição.

Em 1575 foi enviada por ordem do governador geral Luís de Brito e Almeida (m.1577) uma expedição de guerra comandada pelo ouvidor geral Fernão da Silva para combater os índios Potiguares. Fernão tomou posse das terras em nome do rei sem que houvesse nenhuma resistência, mas isso foi apenas uma armadilha. Sua tropa foi surpreendida pelos Potiguares e teve que voltar para Pernambuco.
Em 1575 foi preparada uma segunda expedição comandada pelo próprio governador geral Luís de Brito e Almeida. Esta expedição nem sequer desembarcou nas terras paraibanas. Três anos depois o seu sucessor Lourenço da Veiga tentou conquistar o Rio Paraíba e também não obteve êxito

Depois de expulsos do Rio de Janeiro, os franceses tentaram se estabelecer na Paraíba, onde aproveitando a rivalidade com os portugueses aliaram-se aos Potiguares, que dominavam a região e fixaram-se na Baía da Traição, próxima a Mamanguape. Os franceses comerciavam pau-brasil, algodão, óleos vegetais e peles de animais nativos, que mandavam para a Europa.
Frutuoso Barbosa em 1579 organizou em Portugal uma nova expedição e impôs a condição de que se ele conquistasse a Paraíba, seria o governador por dez anos. Nem chegou ao Brasil, sua frota enfrentou uma forte tormenta e teve que retornar a Portugal.
Em 1582, repetindo a proposta anterior, Frutuoso Barbosa voltou para tentar conquistar a Paraíba, mas caiu numa emboscada dos Potiguares e dos franceses onde perdeu um filho em combate.
Nova expedição foi organizada em 1584, desta feita com a presença de Flores Valdez, Felipe de Moura e o insistente Frutuoso Barbosa, que conseguiram finalmente expulsar os franceses e conquistar a Paraíba. Após a conquista, foram construídos os fortes de São Tiago e São Felipe.

A conquista só foi definitiva em 1599 aproveitando da situação, pois os índios Potiguares se desentenderam com os Tabajaras e os últimos liderados pelo cacique Piragibe se aliaram aos portugueses para combatê-los firmando em 1585 um acordo de aliança. Com o acordo, João Tavares estabeleceu às margens do rio Sanhavá o povoado de Filipéia de Nossa Senhora das Neves.

Em maio de 1625, os holandeses que tinham sido rechaçados de Salvador decidiram invadir a Paraíba e comandados por Hendrikordoon desembarcaram e construiram um forte na baía da Traição. Foram expulsos em agosto de 1625. Os Potiguares por terem ajudado os holandeses também foram expulsos da região por Francisco Coelho. Temendo novos ataques de índios e holandeses, Francisco Coelho reconstruiu a fortaleza de Santa Catarina e o construiu o novo forte de Santo Antonio, situando cada um numa margem do rio Paraíba.

Em 5 de dezembro de 1632 uma nova expedição formada por 1.600 holandeses tentou conquistar a Paraíba, sendo derrotada pelos portugueses.
Em 26 de dezembro de 1634 revidando a derrota anterior, a ‘Companhia Holandesa das Índias Ocidentais’[1] com uma frota de 29 navios conquistou a capitania da Paraíba, incorporando-a à colônia da Nova Holanda. Em 1635, a cidade Filipéia de Nossa Senhora das Neves foi renomeada Frederikstad pelos holandeses em homenagem ao príncipe de Orange, Frederico Henrique. Frederikstad possuía aproximadamente mil e quinhentos habitantes e dezoito engenhos de açúcar na época da ocupação holandesa, que durou vinte anos. Queriam a Paraíba como um ponto de apoio para a invasão do Pernambuco. Em 1654, com a expulsão dos holandeses a cidade mudou o nome para Paraíba. (hoje João Pessoa). A pouca distancia de Filipéia, foi criado um aldeamento indígena que veio a transformar-se na vila de Santa Rita, hoje a cidade do mesmo nome.

Os canaviais eram cultivados às margens do rio Paraíba e na faixa litorânea. O açúcar durante muito tempo foi a força maior da economia paraibana. Por volta de 1630, existiam 21 engenhos de açúcar. O declínio começou em 1639, quando apenas seis engenhos paraibanos funcionavam e sobreveio em 1654, quando apenas dois engenhos faziam isto.

Na zona do Pilar, a menos de 100 quilômetros do litoral, já existiam em fins do século XVI e princípios do século XVII, muitos currais de criação de gado. Destas fazendas partiram os pioneiros que ocuparam a parte ocidental da capitania, aonde mais tarde vieram a surgir, as povoações de Pombal[2] e Piancó[3]. O início do povoamento de Pilar originou-se a da missão do padre Martim de Nantes naquela região. A colonização de Campina Grande teve início em 1697, quando o capitão-mor Teodósio de Oliveira Ledo (1731/1732) fundou na região um povoado que prosperou e foi promovida a cidade.

Em 1698, os jesuítas criaram um aldeamento dos índios Ariús. O aldeamento progrediu e em 1790 foi transformado em vila com o nome de Vila Nova da Rainha sendo um ponto de ligação entre o litoral e as regiões mais remotas, funcionando como um entreposto de gado e de farinha de mandioca.
Garcia D’Ávila empenhou, no interior paraibano, para que a Casa da Torre ficasse mais poderosa, na sua tentativa de monopolizar a criação de gado no Brasil. Estabeleceu diversos currais nas sesmarias que obtinha. Trouxe gado de suas fazendas da Bahia para iniciar a atividade nas regiões recém-conquistadas. Aliou-se com o capitão Manoel de Araújo, procedente de Pernambuco para comandar as operações. Mais tarde na região de Piancó houve uma desavença entre eles.

O bandeirante Domingos Jorge Velho (1641-1705), entre 1680 e 1684, fixou-se na região do rio Piranhas, organizando ali uma grande expedição destinada a destruição do Quilombo dos Palmares. Queria também explorar ouro e não vacilou, além de aniquilar índios, atacou o Quilombo de Palmares e atingiu as terras da poderosa Casa da Torre de Garcia d’Ávila.

Para incentivar a economia foi criado pelo marquês de Pombal (1699-1782) a ‘Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba’[4]. Isto aconteceu depois, que uma violenta epidemia de varíola dizimou 1.100 escravos e da revolta dos indígenas que lutavam contra a sua preação. A Companhia fracassou nos seus objetivos, devido à forte pressão, falta de apoio e a revolta dos comerciantes autônomos, que na época tinham prestígio e influência. O resultado foi a sua extinção em 1780.

Na Paraíba existiu a chamada ‘Estrada das Boiadas’, que partia de ‘(...) També, na divisa com Pernambuco pegava Mamanguape e trazia gadaria para os brejos, na divisão das vendas. A mais antiga das estradas partia a oeste do Espinharas, ribeira de Santa Rosa, Milagres, tocando depois na lagoa do Batalhão (Taperoá), seguia-se o rio, descendo a Borborema até Espinharas e daí a Patos, Piranhas (Pombal), Souza, São João do Rio do Peixe (um ramal recebia a contribuição de Cajazeiras) ia-se ao Ceará pelos Cariris Novos, Icó, Tauá, atingindo-se Crateús, inesquecível pelo encontro de centenas de vaqueiros que demandavam o Piauí’[5].

Durante a revolta indígena conhecida como ‘Confederação dos Cariris’, muitas batalhas sangrentas foram travadas em território paraibano, principalmente no vale do Curimataú, que dizimou muitas cabeças de gado e espantavam os fazendeiros que ocupavam a região. Alguns índios aliaram-se com os negros fugitivos e fundaram o quilombo de Cumbé, na região de Campina Grande. Os quilombolas destroçavam as plantações e roubavam o gado dos fazendeiros. O quilombo foi destruído em 1731.

Em 1831, em alguns municípios do interior e principalmente naqueles localizados a ocidente da serra do Borborema, desenvolvia-se uma importante criação de equinos. O preço alto que era cobrado por estes animais, demonstrava que a produção era insuficiente para atender a demanda.
O gado caprino, ovino e suíno era de pouca importância.
Neste ano de 1831, foi iniciada a criação de muares na província. Os muares, mais resistentes do que os equinos, podiam suportar melhor as estradas ruins e a sua criação tinha esse objetivo.

Entre os anos de 1857 e 1860 foram exportados pela província a media anual de 292 toneladas de couros.[6]
No ‘Relatório da Presidência da Província’ para o ano de 1858, foi escrito: ‘Em alguns dos municípios do interior, e notavelmente nos que demorão ao occidente da serra do Borborema, consiste a riqueza na criação do gado vaccum e o cavallar. O alto preço porém, a que tem chegado essas espécies, prova que a produção não está em proporção com o consunmo. O gado cabrum, ovelhum e suinoso, e as aves domesticas são criados em menor escala.’

No ano de 1861, a província da Paraíba arrecadou 26.289 contos de réis de imposto sobre o gado bovino abatido para consumo interno. Como a tarifa era de 2$000 por cabeça, conclui-se que foram abatidas oficialmente 13.144 cabeças para consumo.

No ano de 1860, o imposto recolhido foi de 24.671 contos de réis, representando 12.335 cabeças de gado[7].
Com estes dados, que sabemos incompletos, pois a sonegação de impostos era um costume bastante arraigado, podemos concluir que o rebanho da província era de cerca de 145.000 cabeças de gado. Calculando pelo volume de couros exportados, os abates seriam de cerca de 20.000 cabeças, elevando a estimativa de rebanho para cerca de 220.000 cabeças. Apenas cotejando os dados da exportação de couros com a do pagamento de impostos podemos concluir que a sonegação era em torno de 35%.

A cidade de João Pessoa em meados do século XIX era abastecida por gado fornecido pelos ‘marchantes’ que os adquiria nas feiras de gado da província, principalmente Itabaiana, Campina Grande, Patos e Itambé para serem abatidos nos matadouros da cidade. José Américo de Almeida[8] informa que as feiras de Itabaiana e Campina Grande abasteciam toda a Paraíba e também Recife. Na própria cidade de João Pessoa existia a feira de gado de Oitizeiro, que localizava no antigo caminho para Recife.

Irenêo Joffily[9] informou que os preços de carne bovina em João Pessoa no final do século XIX eram entre 800 a 1$000 o quilo, enquanto nas feiras de Campina Grande e Itabaiana os preços eram 200 réis por quilo mais barato.
A população do Paraíba no final de cada década era a seguinte:
Ano

População
1900

490.000
1910

691.000
1920

961.000
1930

1.219.000
1940

1.476.000
1950

1.713.000
1960

2.018.000

Pelo menos quatro cidades paraibanas têm seus nomes derivados de atividades pecuárias: Curral de Cima, Curral Velho, Gado Bravo e Santana dos Garrotes.
O rebanho paraibano teve a seguinte evolução:


1938

1950

1957

1964

1964/1938
Bovinos

537.000

500.000

740.000

1.345.000

150%
Equinos

171.000

-

125.000

188.000

10%
Suinos

184.000

-

555.000

1.105.000

501%
Ovinos

273.000

300.000

559.000

951.000

248%
Caprinos

300.000

400.000

602.000

1.106.000

269%

Em 1964 foram abatidos em estabelecimentos controlados pelo governo:
Bovinos

110.000 cabeças
Suinos

130.000 cabeças
Ovinos

141.000 cabeças
Caprinos

168.000 cabeças

O IBGE no Censo Agropecuário constatou que no dia 31/12/2008 havia nos 223 municípios do estado da Paraíba 1.202.000 cabeças de bovinos. Os cinco maiores rebanhos, que representavam 8% do total estavam nos seguintes municípios:
Souza 23.000 cabeças
Pombal 21.000 cabeças
Paulista 20.000 cabeças
Monteiro 20.000 cabeças
Queimadas 17.000 cabeças
Hoje a Paraíba não tem expressão na criação de gado bovino. Dois municípios em outros estados do Brasil (Corumbá (MS) e São Felix do Xingu (PA) tem cada um mais bovinos pastando do que todo o estado.

[1] A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais foi fundada em 3 de Junho de 1621 por um grupo de refugiados calvinistas de Flandres e Brabant que fugiram para a Holanda para escapar à perseguição religiosa. A ela foi concedido um alvará para o monopólio do comércio com as colônias ocidentais pertencentes à República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos. Sob o domínio da Espanha as possessões portuguesas, segundo se calculava, seriam o calcanhar-de-aquiles, e se pensava que a Espanha sacrificaria sua defesa à dos próprios domínios americanos. Por isso, em 1624-1625, a Companhia dedicava ao Brasil o melhor de suas atenções, tentando ocupar Salvador, mas, por esta cidade ser capital da colônia lusitana na América, os holandees não obtiveram êxito.
A Companhia desempenhou, em geral, importante papel na colonização holandesa das Américas e foi responsável pela ocupação de áreas no nordeste brasileiro.
A opção pela por Pernambuco era óbvia ele fazia parte das chamadas ‘capitanias de cima’ e monopolizavam a produção do açúcar, principal gênero de exportação do Brasil e a ocupação do território era meramente litorânea, não excedendo uma faixa de 70 quilômetros a partir da costa.
A Companhia possuia cinco escritórios, chamados de câmaras (kamers), em Amsterdam, Midelburgo, Roterdam, Hoorn e Groningen, sendo as câmaras de Amsterdam e de Midelburgo aquelas que mais contribuíram para a companhia. O conselho de administração consistia de 19 membros e era conhecido como o "Heeren XIX".
[2] No final do século XVII, Teodósio de Oliveira Ledo realizou uma entrada através do rio Piranhas. Nesta venceu o confronto com os índios Pegas e fundou uma aldeia que recebeu o nome Piranhas. Devido ao sucesso não demorou muito até que passaram a chamar o local de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Em 1721 foi construída no local a igreja do Rosário, em homenagem à padroeira da cidade considerada uma relíquia história nos dias atuais. Sob força de uma Carta Régia datada de 22 de junho de 1766,o município passou a se chamar Pombal. Pombal desenvolveu pouco. Só foi criado o município em 30 de abril de 1959, sendo instalado em 3 de junho de 1959.
[3] Piancó foi declarado município em 11 de dezembro de 1831, sendo instalado em 2 de maio de 1832.
[4] A segunda companhia pombalina monopolista a ser criada no Brasil foi a ‘Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba’, fundada em 1759, quatro anos depois da criação da ‘Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão’. Esta companhia veio a ser ainda mais lucrativa do que a primeira. O seu capital era superior ao da anterior, pois contava com mais de dois milhões de cruzados; os seus privilégios eram em tudo idênticos, embora se aplicassem às regiões de Paraíba e Pernambuco. Tal como a sua congênere do Grão-Pará e Maranhão, esta companhia fomentou igualmente a agricultura, em especial a cultura de cacau. Tinha trinta navios ao seu dispor que iam buscar escravos e outros produtos, e exportavam para a Europa diversos gêneros coloniais.
Entre 1778 e 1779, esta companhia, juntamente com a anterior, foi despojada dos seus privilégios reais, durante o governo de D. Maria I, que se assumiu como muito crítico relativamente a algumas políticas do Marquês de Pombal. De qualquer modo, estas organizações continuaram a desempenhar a sua atividade, embora agora como duas companhias ou sociedades particulares, com um menor peso no incremento do desenvolvimento econômico da colônia brasileira.
[5] Luís da Câmara Cascudo. ‘Tradições Populares da Pecuária Nordestina. (Documentário da Vida Rural n. 9). Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura/ Secretaria de Informação Agrícola, 1956.
[6] Relatorio anual da Presidencia da Provincia 1861
[7] Relatório anual da Presidência da Província 1861.
[8] No livro ‘A Paraíba e Seus Problemas’, João Pessoa, a União, 1980.
[9] No livro ‘Notas sobre a Parahyba’, Brasilia, Thesaurus, 1977.

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