Sombras da ditadura no Rio Grande do Norte?
Enquanto diversos crimes
demoram ou nunca são esclarecidos, o inquérito contra um dos
investigados na Revolta do Busao já foi concluído
Por Daniel Dantas Lemos do Blog do Daniel Dantas
O RN parece viver tempos sombrios. Como
nos dias da ditadura, militantes políticos – de partidos e movimentos
sociais – são investigados e monitorados pela Polícia devido à sua ação
pública. No contexto da investigação sobre a queima de ônibus durante a
#RevoltadoBusao em setembro passado, eu e outros companheiros fomos
elevados à categoria de investigados pela Polícia – ainda que não esteja
exatamente claro qual crime a nós é atribuído, a não ser a cobertura ou
a participação nos eventos.
Interrogado pela Polícia, Felipe Serrano
foi instado a responder se conhecia algum dos militantes sob
investigação – como nos inquéritos dos tempos da ditadura. Meu nome está
na lista.
Meu nome consta em uma das lista de
perfis do Facebook monitorados pela Polícia Civil na investigação.
Destaque-se a presença do perfil do projeto de extensão da UFRN, Lições
de Cidadania
No fim de agosto e início de setembro do
ano passado, Natal foi revirada pela #RevoltadoBusao. Estudantes e
militantes de diversos movimentos sociais tomaram as ruas da cidade em
um movimento organizado contra o aumento das passagens de ônibus – que
passaram de R$ 2,20 a R$ 2,40.
O primeiro protesto, em 29 de agosto,
saiu das proximidades do Natal Shopping e seguiu rumo ao Midway Mall.
Na esquina das avenidas Antônio Basílio e Salgado Filho, o Batalhão de
Choque esperava os estudantes. Ainda que o comandante da PM, Coronel
Araújo, tenha dito em entrevista à tevê que os policiais haviam
disparado apenas uma bomba de efeito moral e os estudantes seriam
responsáveis pela derrubada de um fio de energia, os vídeos postados no
Youtube comprovaram o contrário.
O episódio da violência desmedida da
polícia reprimindo a manifestação fez com que o protesto de dois dias
depois, 31 de agosto, fosse bem maior e percorreu cerca de 14
quilômetros em Natal. No início de setembro a Câmara Municipal revogou o
aumento concedido pelo Executivo – dando a impressão de que, mais uma
vez, a ação popular nas ruas da cidade teria sido vencedora.
No entanto, para a surpresa de todos, os
empresários resolveram suspender as gratuidades do sistema alegando que
a suspensão do aumento lhes provocou desequilíbrio
econômico-financeiro. É nesse contexto que ocorre o protesto do dia 18
de setembro. Sobre ele, escrevi diversos textos – como aqui, em que responsabilizei o Seturn pelo endurecimento da disputa política. Sobre os eventos da noite, dois textos - aqui e aqui. Nessa noite, dois ônibus foram incendiados e a culpa foi atribuída aos manifestantes. O professor Felipe Serrano foi preso e espancado pela PM – ao ponto de ter um dedo quebrado.
No
dia 20 de setembro, já noticiávamos que o governo do Estado havia
constituído uma comissão de três delegados especiais para investigar a
#RevoltadoBusao. Naquele momento, questionei o porquê tanta
deferência ao movimento: “Afinal, três delegados para investigar
manifestações sociais e a incapacidade de resolver crimes de morte ou
desaparecimentos, como o do irmão do jornalista Cezar Alves, mostra que
tem uma coisa muito errada aqui”. Além disso, desconhece-se tanta
energia e atenção para a apuração de chacinas ou homicídios. No 14a DP,
em Natal, por exemplo, em 2012 foram instaurados 57 inquéritos de
homicídio, tendo apenas quatro sido elucidados – graças à confissão dos
culpados.
E como esta sendo conduzida a investigação contra os militantes da #RevoltadoBusao?
Em 6 de dezembro passado, por exemplo, escrevi sobre a abordagem violenta da polícia contra Juan Drugue:
Juan Drugue foi agressivamente
abordado, há dois dias, por PMs na Cidade da Esperança. Ativista da
#RevoltadoBusao, Juan foi interrogado, na mala da viatura que o conduzia
até sua casa. E fotografado.Os PMs que o detiveram registraram imagens
de suas tatuagens.Sabiam o conteúdo de postagens que o jovem havia
postado em redes sociais.Queriam confirmar nomes de supostos líderes do
movimento que conduziu a #RevoltadoBusao. Questionaram pelo menos um
nome: o de Dayvsoon Moura, assessor do vereador Raniere Barbosa
(PRB). Deram mostras que investigam e monitoram militantes políticos e
sociais da cidade de Natal. Conhecem seus passos – ao ponto de
abordarem Juan quando esperava ônibus para ir ao trabalho.Citaram nomes
de expoentes mais midiáticos dos movimentos de rua em Natal. O que
demonstra que certamente seguem os passos de meia dúzia de blogueiros,
como eu, que ousam pleitear justiça, paz e direitos nessa cidade.A PM se
comporta como nos dias do Relatório Veras – que no governo Aluízio
Alves mapeou os “subversivos” potiguares nos primeiros momentos
pós-Golpe de 64. Será que à revelia dos comandantes da corporação? Da
justiça? Do governo?De agora em diante, fique claro, qualquer
ação truculenta ou violenta contra militantes sociais, estudantis,
ativistas da #RevoltadoBusao ou quaisquer outros movimentos de rua deve
ser tributada à conta do comando da PM do RN. Se algo acontecer contra
Juan, Dayvsoon, suas famílias, nossas famílias, nós mesmos, que se
questionem os PMs, mas que se responsabilize o comando da PM e o governo
do estado.Queira Deus que nenhum de nós seja vítima de violência – senão será nossa PM nossa principal suspeita.
Ironicamente, a referência feita ao
Relatório Veras, no qual o governo Aluizio Alves mapeou “subversivos”
nos primeiros momentos pós-Golpe 64, parece cada vez menos
despropositada.
Ylloh Gabriel Silva, citado acima, ocupa
diversas páginas no inquérito que investigou Felipe Serrano. Ylloh
prestará depoimento na delegacia de narcóticos, na investigação da
#RevoltadoBusao. Quando foi intimado a depor, seus pais viram os
policiais revirarem seu quarto e, numa cena digna dos regimes de
exceção, homens apontando suas armas, por sobre o muro, na direção do
interior da casa, na clara intenção de intimidar o jovem e sua família.
Militantes sociais tratados como
criminosos – assim como nos dias do Regime Militar. A inteligência da
Polícia Civil chegou a sugerir que fosse solicitado ao twitter, facebook
e outras redes sociais informações suficientes para identificar os IPs
dos usuários que postaram informações sobre a #RevoltadoBusao. Não
consta do inquérito se a quebra de sigilo foi ou não solicitada.
Diversos militantes foram ou estão sendo
investigados e há, no inquérito, dossiês sobre alguns deles. Como, por
exemplo, a atual coordenadora do DCE da UFRN, Danyelle Guedes.
A UFRN merece uma atenção especial da
Polícia Civil. Além de ter a coordenadora do DCE sob investigação,
lembremos da prisão da professora Sandra Erickson na noite de 18 de
setembro – prisão que o blog transmitiu ao vivo – pelo único crime de
perguntar à PM porque os ônibus estavam sendo desviados. Além disso, em
um relatório de inteligência afirma-se, como que para criminalizar a
própria estrutura da Universidade, que a chamada comissão de segurança
da #RevoltadoBusao se utilizava de rádio walk-talkies – coisa que
pessoalmente não vi em nenhum evento. O relatório ainda registra a
presença do professor Robério Paulino, ex-candidato a prefeito pelo
PSOL, na delegacia para prestar assistência aos detidos na noite do
protesto.
Enquanto homicídios superam um ano sem
ser esclarecidos, o inquérito contra um dos investigados na
#RevoltadoBusao já foi concluído.
A investigação contra Felipe Serrano se
encerrou, a denúncia foi apresentada pelo MP e recebida pela justiça na
última sexta-feira.
O governo do DEM reinaugurou o DOPS?
O inquérito traz a foto de diversos estudantes e militantes – como o professor Felipe Serrano.FONTE: http://revistaforum.com.br/blog/2013/03/daniel-dantas-sombras-da-ditadura-no-rio-grande-do-norte/
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