Maria Boa: a primeira grande dama de Natal
Natal,
década de 40 – A cidade fervilhava de militares americanos e
brasileiros. Aviões, hidroaviões, Catalinas e Jeeps patrulhavam a vida
dos natalenses.
Instalava-se na cidade a paraibana de Campina Grande, Maria de
Oliveira Barros (24/06/1920 – 22/07/1997). Começava neste ínterim a
história da mais conhecida casa de tolerância do estado (do país ou do
mundo?).
Entre as movimentações na Ribeira, nas pedidas de Cuba Libre no
saguão do Grande Hotel, nas notícias pelas Bocas de Ferro, na Marmita,
em Getúlio e em Roosevelt e na nova geração de meio americanos e meio
brasileiros, lá estava Maria Barros enaltecendo-se na Cidade do Natal
como a proprietária do melhor (ou maior) cabaré.
Tornou-se conhecida como Maria Boa. Mesmo com pouco estudo ela
despertou o gosto por música, cinema e leitura. O seu “estabelecimento”
era o refúgio aos homens da cidade, com residência fixa ou,
simplesmente, por passagem por Natal e servia de referência geográfica
na cidade.
Jovens, militares e figurões acolhiam-se envoltos as carnes mornas
das meninas de Maria Boa. Muitas mães de família tiveram que amargar, em
silêncio, a presença de Maria Boa no imaginário de seus maridos em uma
época de evidente repressão sexual.
Vários fatos envolveram a personagem. Um episódio muito comentado foi
a pintura realizada pelos militares em um avião B-25. Um dos mais
famosos aviões da 2a Guerra Mundial, os B-25 eram identificadas com
cores características de cada Base Aérea. Os anéis de velocidade das
máquinas voadoras da Base Aérea de Salvador eram pintados com a cor
verde. Os aviões de Recife, com a cor vermelha, e os de Fortaleza, com a
cor azul. Para a Base de Natal foi convencionada a cor amarela. Os
responsáveis pela manutenção dos aviões em Natal imaginaram também que
deviam ser pintados no nariz do avião, ao lado esquerdo da fuselagem
junto ao número de matricula, desenhos artísticos de mulheres em trajes
de praia. Autorizada pelo Parque de Aeronáutica de São Paulo, a idéia
foi colocada em prática. Pouco tempo depois, os B-25 de Natal surgiram
na pista com caricaturas femininas e alguns até com nomes de mulheres.
Alguns militares da Base escolheram o B-25 (5079), cujo desenho se
aproximava mais da imagem de Maria Barros. Outras aeronaves também
receberam nomes como “Amigo da Onça” e “Nega Maluca”.
Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria. Até que
alguns tenentes decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25
logo após o jantar para não despertar a atenção dos curiosos. Ela
constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando viu à sua
frente, pintada ao lado do número 5079, a inscrição “Maria Boa”.
O mito “Maria Boa” rendeu trabalhos acadêmicos o de Maria de Fátima
de Souza, intitulado: “A época áurea de Maria Boa (Natal-RN 1999)”. O
trabalho aborda o “fenômeno da prostituição infanto/juvenil, suas
conseqüências e causas no desenvolvimento físico e psicossocial de
crianças e adolescentes (…). Com o aprofundamento dos estudos percebemos
o importante papel dos bordéis na prostituição, bem como o fechamento
dos mesmos (…). Chegamos então ao cabaré de Maria Boa, já fechado.
Tivemos, assim, a oportunidade de conhecer um pouco da saga da Sra.
Maria de Oliveira Barros, uma profissional do sexo, com grande
importância na história da prostituição de adultos, ou ainda,
tradicional; das histórias contadas a seu respeito chamou-nos atenção
para sua representação social, seu “mito” e sua ligação com o imaginário
masculino. Com isso, passamos a averiguar mais profundamente uma
participação na sociedade da época e buscamos reconstruir parte de sua
história enquanto meretriz, cafetina, e proprietária da mais famosa casa
de prostituição que o RN já conheceu.”
O Professor Márcio de Lima Dantas publicou2002 o texto “Retratos de
silêncio de Maria Boa”. “(…) Para além da atitude ética de proteger sua
família, o que faz parecer um jogo com a hipocrisia da sociedade, penso
que, na atitude de se manter reservada, se inscreve outro aspecto digno
de ser ressaltado. Falo do mito que entorna a personagem Maria Boa, de
certa maneira, criada e ritualizada por ela mesma, dimensão de fantasia
para além do empírico vivenciado. (…) Astuciosamente se fez conhecer por
“Maria”, o antropônimo mais comum no universo feminino, genérico e
pouco dado a divagações semióticas. Ironicamente é o nome da mãe de
Jesus… Quem não tinha conhecimento no Estado de uma proprietária de um
requintado lupanar, e que se chamava Maria, a Boa. O mito, da
constituição do éter, era aspirado por todos, preenchendo necessidades,
ocupando lugares no espírito, imprimindo fantasias nos adolescentes,
despertando em jovens mulheres às aventuras da carne, engendrando
adultérios imaginários.
Por José Correia Torres Neto - Publicado no Blog do Robson Pires
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