SECA NO NORDESTE – POR QUE SOMOS TÃO POBRES?
Observe bem esta fotografia, nos seus mais pequenos detalhes. Ela
foi feita na comunidade rural de Negros dos Riachos, no
município de Currais Novos, região do Seridó potiguar. O local, como o
nome sugere, é formado por remanescentes de um quilombo, da mesma forma
que muitos outros espalhados pelo Brasil. Na imagem, a professora Marcia Carla se prepara – com toda a emoção
que o momento provoca – para se despedir definitivamente das seis
crianças, depois do convívio de alguns anos na escola local. O sorriso
da professora substitui um choro evidente, quase audível, encoberto
pelas lentes dos óculos.
Estes seis pequenos brasileirinhos, excluídos do que possa haver de
mais básico ao ser humano – como roupas, por exemplo –, estão cumprindo
uma rotina diária bem diferente daquela a que teriam direito se a
riqueza da 6ª maior economia do planeta fosse distribuída de forma justa
por meio de políticas públicas que realmente fizessem o Brasil ir para
frente.
Depois de parar e posar para a foto, eles vão caminhar alguns
quilômetros e transportar na cabeça, em galões de zinco, alguns litros
de água para tomar um banho. Quem conhece, sabe como pesa um galão de
água deste tamanho na cabeça. A cisterna, reservatório de água que
aparece atrás do grupo, está vazia por causa da seca que castiga o
Nordeste brasileiro de forma tão inclemente como não se tinha registro
nos últimos 85 anos. Comprar água de um carro-pipa para abastecê-lo é
impossível.
No alcance da lente do fotógrafo, só o cinza da paisagem,
interrompida aqui e ali pelo verde tímido da algaroba. O chão está seco,
esturricado. A poeira transportada pelo vento cola na pele, nos
cabelos, nas roupas e deixa os personagens com uma maquiagem natural de
terra. A única luz da fotografia vem do sol de fim de tarde no sertão,
lambendo-lhes o lado esquerdo do rosto.
Nos braços da professora Márcia, o menor do grupo. Quantos anos terá?
O que lhe reserva o futuro? Os outros cinco, que formam uma espécie de
escadinha demográfica da casa, sorriem para nós, pois neles a inocência e
a falta de consciência das coisas, natural para a idade, ainda não lhes
despertou para a realidade a que estão submetidos. São felizes, ponto
final.
Quase todo o Brasil cabe nesta foto. Ela nos cobre de vergonha da
cabeça aos pés e surge diante de nós para refutar, sem direito a
argumento contrário, qualquer idéia de país rico, líder de um bloco
econômico chamado Bric, e que vai sediar uma Copa do Mundo em 2014 e uma
Olimpíada em 2016. Que triste e desigual país é este? Por que ainda
somos tão pobres e temos tantos problemas em encarar esse fato?
Conviveremos até quando com esta imagem?
Este é o pedaço do Brasil onde nunca chegará a água da Transposição
do Rio São Francisco, a jóia da coroa do PAC I, por onde já escorreram
mais de 8 bilhões de reais. O que há no projeto criado por Lula – ele
próprio a encarnação do brasileiro que fugiu de uma fotografia como esta
e tornou-se o presidente mais popular do Brasil – são canais vazios
formados por placas rachadas no solo seco entre a Bahia e Pernambuco.
Este é o pedaço do Brasil onde, a cada dois anos, a rodovia muito
próxima desta casa onde moram estas seis crianças são rasgadas por
LandRovers transportando pessoas que chegam, desembarcam, dão abraços,
beijos, posam para fotografias, fazem promessas de melhoras e somem no
rastro da poeira – para voltar, de novo, dois anos depois. Fora a isso,
eles só são assistidos por pessoas como a professora Márcia. Por isso o
choro travestido de sorriso na hora da despedida.
Daqui a cem anos, quando não estivermos mais aqui, é bem provável que
esta cena possa ser repetida para outro fotógrafo de forma
absolutamente igual em pose, gestos, contexto e geografia. Também por
outras professoras Márcias que vão lá, tentam mudar uma realidade tão
difícil por meio do conhecimento. E também por outras crianças, e outras
cisternas vazias, e outros galões, e outras terras ressequidas, e
outras nudezes.
Fonte - http://www.thaisagalvao.com.br/
Copiado de http://tokdehistoria.wordpress.com
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