Revolta da Cachaça: primeiro exercício de democracia no Brasil
Para os que curtem História Colonial do Brasil, aqui vai um excelente artigo de Pedro Dória:
"No
anoitecer do dia 6 de abril, em 1661, Jerônimo Barbalho Bezerra foi
decapitado no Largo da Polé, hoje Praça XV, perante a população. Sua
cabeça, escreveu dias depois o governador Salvador Corrêa de Sá e
Benevides, foi posta "no pelourinho para se conseguir a quietação" do
povo. Terminou assim o período de cinco meses em que os cariocas
governaram-se a si mesmos, no primeiro exercício de democracia da
História do Brasil. Faz mais de 350 anos.
A Revolta
da Cachaça, que Bezerra liderou, é pouco documentada e por isso mesmo
objeto de polêmica. Ele era, nos dizeres do tempo, "nobre da terra".
Senhor de engenho, filho de herói da batalha que expulsou os holandeses
da Bahia em 1625, um homem que tinha ao seu lado vereadores e outros
donos de terra na região. É o que sugere ter sido uma briga interna da
elite.
Não era a
impressão do importante historiador britânico Charles Boxer,
corroborada recentemente pelo geógrafo Maurício de Almeida Abreu, autor
de "Geografia Histórica do Rio de Janeiro". Ao lado de Jerônimo, entre
os 131 listados como revoltosos, tinha gente da elite, mas aparentemente
também despossuídos de terras. Foi um levante amplo, de todas as
classes, contra um ditador.
Salvador
Corrêa de Sá e Benevides tinha 58 anos. Pertencia à terceira geração da
família Sá no comando do Rio, desde Estácio. Com quase um século de
idade, a pequena cidade era pobre, como todo o Brasil sul, e domínio
absoluto de sua família. Salvador era também uma lenda viva no Brasil e
em Portugal. Místico, passou a juventude seguindo os conselhos do padre
jesuíta João d'Almeida, um sujeito que diziam flutuar em transes longos.
Todos os Sás eram ligados aos jesuítas.
Salvador
era também bandeirante e, como todo bandeirante, mais tupi do que
europeu em batalha. Lutava com os pés descalços, acompanhado em mar de
longas canoas de índios flecheiros. Venceu assim Piet Heyn, o maior
corsário holandês de seu tempo. Heyn quebrou a Espanha ao saquear, no
Caribe, o navio que levava o ouro das Américas. E Salvador o venceu com
índios, expulsando-o do Espírito Santo, quando ainda tinha 23 anos.
Assim como, também acompanhado de índios, conquistou Angola dos
holandeses e venceu em seu próprio território a mítica rainha N'Zinga,
uma das mais ferozes líderes guerreiras da África. (Vem de seu nome o
termo ginga, da capoeira).
Se tupi
em batalha, a corte em Lisboa não o intimidava. Tinha assento no
Conselho Ultramarino, a mais alta instância de comando do império. Ainda
antes de sua morte, esteve entre os líderes de uma tentativa de depor o
rei português. Na Ilha do Governador, sua ilha posto que era Sá, o
governador, e dono das terras ali, construiu o galeão d'El Rey, maior
navio do mundo de então. Construiu-o na Ponta do Galeão. Salvador Corrêa
de Sá e Benevides era muito maior do que o Rio e fazia do Rio o que bem
quisesse. Como, por exemplo, aumentar impostos.
No fim de
1660, decidido a aumentar o número de soldados no Rio, Salvador liberou
a produção de cachaça e instituiu sobre ela um pesado tributo. Daí
criou um imposto predial. A população, ricos e pobres, já enfrentava
sérias dificuldades. A cidade vivia uma crise. Os conjurados reuniram-se
por várias madrugadas em São Gonçalo, onde ficava a fazenda de
Jerônimo. No dia 7 de novembro, cruzaram de madrugada a Guanabara. O sol
ainda não havia raiado quando uma turba invadiu a Câmara, no alto do
Morro do Castelo, e derrubou o interino Thomé Corrêa de Alvarenga, primo
de Salvador. O governador estava em São Paulo.
Os
cariocas instituíram governo, mandaram cartas ao rei português
garantindo fidelidade e pedindo só que pudessem governar com um nível
tolerável de impostos. Pediram também aos paulistas que prendessem
Salvador - mas, em São Paulo, os de lá decidiram que era boa política
não aderir.
Tão
espetacular quanto o golpe foi o contragolpe. Salvador tinha o comando
da frota da Companhia Geral de Comércio, que anualmente navegava para o
Brasil para recolher os produtos que voltariam à Europa. Ele esperou que
os navios chegassem ao Rio. Naquele 6 de abril, de madrugada - era
sempre madrugada nos ataques de surpresa de antanho - Salvador, seu
filho João e um exército de índios tupis invadiram o Rio e tomaram o
paiol onde ficava a munição. Os soldados da frota desceram a terra e
enfileiraram-se na Praça XV, um bocado o centro da cidade do tempo.
Quando o dia amanheceu, o Rio independente já havia caído sem que um
tiro fosse disparado. O próprio Salvador decidiu pela execução de
Jerônimo, naquela noite.
Se venceu
militarmente, perdeu na política. Em menos de um ano, Lisboa deu ordens
para que ele deixasse o cargo de governador. Convocado para a Europa em
1663, nunca mais pôs os pés do Brasil. Assim como, nunca mais, um Sá
governou o Rio. O filho primogênito de Salvador foi feito Visconde de
Asseca, um título de nobreza alto. Mas não ele. Era o equivalente real a
uma punição na alta esfera.
O
primeiro experimento com democracia no Brasil, de certa forma, deu mais
liberdade à cidade que ainda demoraria algumas décadas para se tornar
capital. Não há qualquer monumento a Jerônimo Barbalho, mas não custa
nada lembrar que ele morreu há mais de 350 anos."
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Copiado de http://saibahistoria.blogspot.com.br/2012/11/revolta-da-cachaca-primeiro-exercicio.html
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