A Guerra dos Bárbaros no Rio Grande do Norte
A resistência dos nativos e a interiorização da colonização
Francisco Galvão
Devido ao avanço das frentes pastoris, com o objetivo de expandir a
pecuária, a ocupação do Sertão se
intensificou. Entretanto, chegou o momento que a presença indígena se tornou um
empecilho e essa a essa expansão. As autoridades coloniais utilizaram, então, a
estratégia de desocupação das terras pela eliminação dos nativos que
resistissem aos interesses colonizadores.
Os portugueses cobiçavam as grandes extensões de
terras dos silvícolas e tentavam se apossar delas através do extermínio dos
nativos, que se obrigavam a irem cada vez mais para o interior do território.
Por outro lado, é bem possível que, enquanto ainda se arrastavam as negociações[1] com os portugueses, os
holandeses tivessem animado o povo tarairiu a se rebelar no interior da
colônia. Provavelmente havia um clima de revanchismo, pois os nativos teriam
defendido os holandeses e deveriam se sentir ameaçados com o avanço dos
portugueses, que sempre foram seus inimigos.
As tribos não possuíam um
comando único que todos obedecessem; poderiam se aliar ou lutar sozinhas, de
acordo com as circunstâncias. Na maioria das vezes, tratou-se mais de uma
reação contra as perseguições dos brancos do que uma guerra com objetivos
próprios. Os colonos provocavam os nativos para que atacassem e, assim, justificariam
a guerra justa, que levaria à
escravização dos nativos derrotados.
Era uma forma de expansão sem respeito às posses
ancestrais dos indígenas. O Rio Grande que havia saído de um período de
violência, vilipêndio e rapinagem, mergulhou em um conflito contra os indígenas,
que, no espaço de cinquenta anos, exterminou as tribos do território.
Esse
conflito ficou supostamente conhecido como a “Guerra dos Bárbaros” ou “Confederação
dos Cariris” e envolveu várias etnias indígenas, no interior das capitanias do
Nordeste. As disputas se desenvolveram em
três fases: a primeira foi iniciada na região do Assú, na capitania do Rio
Grande; a segunda se concentrou na Paraíba; e a terceira teve como cenário
central o Ceará. Os combates se generalizaram por todo o território, entre 1683
e 1713.
Durante a década de 1670, com a distribuição de
sesmarias nas ribeiras dos rios Acauã, Seridó, Açu, Apodi e Mossoró, já
começavam os primeiros conflitos, que eram resolvidos através de
"acordos" entre os índios e os vaqueiros. A situação não mudou e
os vaqueiros continuaram avançando sobre as terras indígenas. Em 1685, o povo
de Janduí se revoltou e avançou contra os criadores. O Rio Grande pediu ajuda a
Pernambuco e Paraíba, mas a situação não mudava.
Os índios avançaram rumo à Natal e, para se
defenderem, os colonos construíram casas fortes e paliçadas. Em face dos pedidos de socorro, o governo-geral do
Brasil, decidiu requisitar bandeirantes de São Paulo e de São Vicente. Os indígenas, além das armas europeias,
adotaram o uso de cavalos e incendiavam fazendas, matavam o gado e os vaqueiros.
A
resistência desses nativos foi um elemento surpresa e a presença dos
bandeirantes[2],
que foram eficientes no quilombo de Palmares, não conseguiu debelar a revolta. Ao contrário, o conflito dilatou-a para outras
regiões, provocando a adesão das tribos dos anacés, jaguaribaras, acriús, canindés,
jenipapos, tremembés e dos baiacus, que se mostraram muito violentos
na defesa de seus direitos. Enquanto isso a guerra era alimentada pela ambição de uma parte
dos colonos, que desejavam as terras que pertenciam aos nativos.
Quando
Antônio de Albuquerque reassumiu o comando da guerra, seu objetivo era
exterminar os
guerreiros indígenas e escravizar mulheres e crianças. Por outro lado,
Bernardo
Vieira, governando a capitania na época, habilidosamente atraiu os nativos para
um acordo de paz. Essa pacificação terminou servindo muito bem para os colonos,
pois o genocídio já havia sido iniciado e os colonos poderiam tomar posse das
terras.
Os grupos nativos que se
submeteram a essa pacificação tiveram o direito a uma légua quadrada de terra, devidamente demarcada para viver. As
mulheres trabalhariam na agricultura, enquanto as crianças seriam educadas nos
moldes cristãos e de acordo com os interesses dos dominadores.
O Senado da Câmara de Natal pediu a prorrogação
do mandato de Bernardo Vieira de Melo, mas a solicitação não foi aceita. Em
Pernambuco, ele se tornou líder de uma corrente emancipacionista que propunha a
instituição de uma república à moda de Veneza, livre da tutela portuguesa. Por
causa dessas ideias, foi levado à prisão, onde faleceu.
A guerra
ainda não havia terminado, em 1715, quando o governador de Pernambuco determinou
que se extinguissem ou se afugentassem completamente os bárbaros que ainda habitavam os sertões nordestinos, entregando o
uso da terra para os sesmeiros. O que se diz é que, depois de 1720, não houve mais
registro de sublevação. Entretanto, em Julho de 1725, oficiais da Câmara de
Natal enviaram carta ao rei Dom João V informando que vários grupos indígenas
das Ribeiras do Apodi, Piranhas, Piancó e Açu e alguns índios aldeados estavam
inquietos. Os oficiais pediram que não se desfizessem as duas companhias do
Terço dos Paulistas estacionadas no Rio Grande do Norte, mas, ao contrário, que
aumentassem os seus contingentes.
O convívio
com os indígenas continua até hoje complicado, pois representam formas muito
distintas de sobreviver e utilizar o meio ambiente. Para as frentes pastoris a melhor
opção era a eliminação, independente do método utilizado. A Guerra dos Bárbaros
significou a derrota definitiva do nativo do Nordeste, sua subjugação, abrindo
espaço para a dominação territorial completa.
A retirada
dos nativos abriu o espaço para se ampliar as a posse de terras dos sesmeiros.
No Rio Grande do Norte a ocupação dessas terras foi entregue, em grande parte,
aos pequenos investidores que foram excluídos do grande negócio que representou
o açúcar no litoral. O isolamento desses núcleos produtores fez com que se
desenvolvesse uma civilização que tentava retirar do próprio meio o máximo para
atender as necessidades de sobrevivência.
A
pecuária foi a atividade básica no interior do território. A ela se anexava a
confecção de artefato de couro e as oficinas para a fabricação do charque[3]. Surgidas inicialmente na frente pastoril cearense, a atividade se beneficiou
da produção das salinas do Rio Grande do Norte. Os trabalhadores da
pecuária eram poucos e livres, pagos em animais, numa sociedade bem menos
hierarquizada do que a açucareira do litoral. Com a desvalorização do rebanho
durante o transporte para abate nos mercados consumidores, os produtores
começaram a abater os animais e conservar a carne em sal, nos locais mais
próximos aos portos.
Os
rebanhos do interior potiguar se formaram no encontro de três frentes pastoris:
uma que saiu do Cunhaú, outra que veio da Paraíba e a última que se formou a
partir do Ceará. Esse gado se multiplicou com facilidade e durante o século
XVII e XVIII. É fácil encontrar referências ao “gado do vento”, que eram
rebanhos abandonados que vagavam sem donos pela capitania.
Nunca existiu uma política econômica que gerasse
incentivos ao industrialismo e esse tipo de empreendimento ganhou relevo pelas
necessidades geradas a partir do próprio modelo agroexportador. A partir da
atividade criatória foram desenvolvidas as primeiras unidades industriais na
área interiorana do Rio Grande do Norte.
As oficinas do charque potiguar surgiram durante a
primeira metade do século XVIII e se concentraram na região de Açu e Mossoró. A
produção era quase toda destinada para as regiões mineradoras e o transporte
era feito por via marítima, passando por Recife e Salvador. Nas décadas de 1750
e 1760 parte da produção chegou a ser enviada para a Europa.
A expansão da manufatura da carne bovina potiguar
era tão bem sucedida que provocou reações por parte do governo de Pernambuco[4] que pretendia manter o
monopólio da carne na região. Essa concorrência, somado a outros motivos, provocou o fechamento das oficinas de
processamento de carne de Açu e Mossoró, medida radical deliberada pelos
pernambucanos, em 1788.
Gado
e sal foram os negócios que renderam lucros para as capitanias produtoras,
porém a seca iniciada em 1777 já havia tornado a produção de charque no
nordeste inviável devido a morte dos rebanhos. Refugiando-se dessa seca, em
1780, José Pinto Martins construiu a primeira charqueada que se tem registro na
cidade de Pelotas. Numerosos outros estabelecimentos foram construídos logo
depois, dando inicio ao ciclo do charque na região sul.
Enquanto
a produção do charque era extinta, aos poucos, a cotonicultura ganhava
relevância em função de sua importância como produto incluído na economia de
exportação. O primeiro período de expansão ocorreu na segunda metade do século
XVIII, quando se tornou a principal matéria-prima abastecedora da indústria
têxtil europeia. Esse surto exportador foi influenciado pela guerra de
Independência dos Estados Unidos (1776-1783) que eram, na época, os principais
fornecedores de algodão para os mercados industriais europeus.
A
cotonicultura já fazia parte das
atividades produtivas de subsistência na capitania e essa expansão produtiva
momentânea significou uma diversificação da economia na economia potiguar,
surgindo na possibilidade de exportação de um produto que não fosse o açúcar.
[1] Pelo Tratado de Haia a República Holandesa reconheceu a soberania
portuguesa sobre o Nordeste brasileiro. Mesmo derrotando os holandeses,
Portugal se subemeteu ao pagamento de oito milhões de florins (equivalente a 63
toneladas de ouro) para manter o Nordeste. Sob a ameaça de invasão de Lisboa e
da perda dos territórios conquistados, esta quantia deveria ser quitada em
parcelas anuais ao longo de quatro décadas. Há quem diga que o valor inicial
nunca foi pago.
[3] Carne seca.
[4] A capitania do Rio Grande
funcionava como uma subcolônia de Pernambuco, que mantinha o controle
administrativo.
Muito BOM
ResponderExcluirTambém achei muito, só lastimo não ter imagens o bastante sobre a Guerra dos Bárbaros.
ExcluirConteúdo bom. Todavia, com conciência crítica construtiva informo através de pesquisa quea carne de sol, ou carne seca salgada foi fabricada inicialmente no Rio Grande do Norte. Foi fabricada no Porto Oficinas no atual município de Carnaubais e não na região de Mossoró. Veja mapa topográfico da SUDENE Folha Macau. Pesquisei a cidade Mossoró desmembrada de Açu em 1843 não há registro desta informação. Refugiando-se dessa seca, em 1780, José Pinto Martins construiu a primeira charqueada que se tem registro na cidade de Pelotas. A carne de sol daqui do Rio Grande do Norte não tem nada a haver com a carne charqueada de Pelotas no Rio Grande do Sul.
ResponderExcluirO trabalho literário não se descreve também o Governador da Paraíba João Fernandes Vieira avarento que requereu grande sesmaria Desde o oeste de porto do Mangue RN até o final da Lagoa do Piató, indo para Leste até se aliar a outra sesmaria próximo município de Touros. Este quadrante corresponderia a cerca de 1/5 do território do Rio Grande do Norte. Mandou seus comandados fundar O um Arraial chamado de Velho ou Arraial das Telha acerca de 4 Km da cidade de Carnaubais. Esta localidade ainda existe com a denominação de Arraial. A grande seca ou estiagem foi em 1877 e não 1977.