A INTENTONA COMUNISTA
O QUE É FATO E O QUE É BOATO
Por Paulo Victorino
O comunismo jamais, em
qualquer momento, teve alguma chance de ser implantado no Brasil como um movimento
popular, tal como aconteceu na Rússia de 1917. A população brasileira, da cidade ou do
campo, sempre foi conservadora e, além do mais, faltava-lhe qualquer ambientação
política, vivendo o dia-a-dia do trabalho e da vida familiar, sem se deixar envolver pela
propaganda revolucionária, seja da esquerda ou da direita.
Certo é que, na década
de 30, o sudeste e o sul do Brasil já contavam com uma população imigrante mais
esclarecida e capaz de responder a estímulos das lideranças, sobretudo os italianos e
alemães, todavia, uns e outros vieram ao Brasil para vencer pelo trabalho, não lhes
interessando, de forma alguma o envolvimento em questões políticas ou militares. Assim,
tentativas de levante, em nosso país, sempre foram obra de uma classe média restrita,
sem qualquer participação de base.
Na madrugada de 27 de
novembro de 1935 – é o que conta a história oficial – um grupo de militares
rebeldes assassinou covardemente, pelas costas, seus companheiros de farda que se achavam
dormindo, sublevando o 3º Regimento de Infantaria da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e
espalhando a revolta pelos quartéis vizinhos, chegando até o Campo dos Afonsos, onde se
achava instalada a Escola de Aviação.
É isso, talvez, e muito
mais que isso. Muitos dos que participaram da Intentona silenciaram durante toda a vida e
morreram sem deixar seu depoimento para a História. Mas, meio século depois, é
possível traçar, com alguma segurança, a trilha que levou aos levantes de 1935 em
Natal, em Recife e no Rio de Janeiro. Nesse propósito, a longa e paciente pesquisa
realizada pelo historiador Hélio Silva, falecido em 1998, é um importante referencial,
representando o que de melhor temos para entender o que se passou naquele tumultuado
período da vida brasileira.
Se, de um lado, o levante
de 1935 representou uma lamentável perda de vidas, no cumprimento do dever, não é menos
certo que o episódio foi usado como uma "espada de Dâmocles" pendente sobre a
nação, transformando em subversivos todos aqueles que, em algum momento, ousassem ter
opiniões divergentes. Foi a consolidação do poder político-militar, interferindo na
vida nacional, algumas vezes se tornando uma sombra do poder constituído, outras, agindo
ostensivamente contra esse mesmo poder.
Como escreveu Otto Lara
Resende (Folha de São Paulo, 27.11.91): "Hoje é de lastimar o vigoroso investimento
político e emocional que foi feito nessa tal Intentona. 1935, quantos crimes foram
cometidos em teu nome!"
Este trabalho não
pretende influir no julgamento do leitor. Ao contrário, procura colocar fatos
relacionados com o levante, permitindo que cada um tire, por si mesmo, as conclusões.
Um resumo dos
acontecimentos
acontecimentos
Intentona é uma palavra
que veio do castelhano, significando intento louco, ou plano insensato. Foi o nome usado
para designar o levante militar deflagrado pelo Partido Comunista Brasileiro em 1935,
tendo como objetivo a tomada do poder. O movimento previa, em sua primeira etapa, a
instalação de um governo nacional revolucionário sob a chefia de Luís Carlos Prestes.
A eclosão do levante se
deu no Rio Grande do Norte e depois em Pernambuco, mas a etapa mais importante era a
sublevação da Vila Militar no Rio de Janeiro, um complexo de quartéis que representavam
o centro nervoso das forças incumbidas de garantir a segurança nacional.
Em Natal (Rio Grande do
Norte), o movimento iniciou-se antecipadamente, em 23 de novembro de 1935, quando
sargentos, cabos e soldados tomaram o 21º Batalhão de Caçadores e instalaram um Comitê
Popular Revolucionário. Quatro dias depois, as tropas do Exército e polícias dos
Estados vizinhos tomaram o quartel das mãos dos revoltosos, restabelecendo a ordem.
Em Recife (Pernambuco), a
revolta eclodiu no dia 24. Se é bem verdade que este levante foi dominado em apenas um
dia, também é fato que a repressão deixou um saldo de 100 mortos entre os sublevados.
Na Praia
Vermelha, próximo aos bairros da Urca e Botafogo, Zona Sul do Rio de
Janeiro, no 3º Regimento de Infantaria, o levante se deu na madrugada do dia 27,
sendo completamente dominado em menos de dez horas, com um total de 20 mortos entre os insurretos.
Dentro do Exército, no
balanço geral em todo o país, os acontecimentos de Natal, Recife e Rio de Janeiro,
somados, custaram a vida de um tenente-coronel, dois majores, quatro capitães, um
tenente, quatro sargentos, quatorze cabos e dois soldados, totalizando 28 militares
legalistas mortos.
Os antecedentes
No
dia 23 de fevereiro de 1917, na distante cidade de São Petersburgo, Rússia, um punhado
de operárias, descontente com as condições de trabalho, recusou-se a entrar em
serviço. A decisão dessas mulheres encontrou eco em outras fábricas e em outras cidades
e, no final do dia, já eram 90.000 operários em greve. Três dias depois, perdendo por
completo o controle do país, caia a dinastia dos Romanov, no poder há mais de 300 anos.
Conquanto o movimento
comunista se achasse bem organizado na Rússia, seus principais líderes, naquele momento,
estavam no exílio e os que se achavam no país, menos expressivos, rechaçavam qualquer
idéia de ação revolucionária, temendo pela tragédia inútil que um levante poderia
proporcionar. Assim, a queda do csarismo foi resultado de um movimento imanente, partindo
das massas, sem participação direta dos líderes e até contra a vontade das
lideranças.
Isso deu aos líderes
comunistas em outros países a falsa impressão de que o mundo estava "maduro"
para o comunismo e que, a qualquer revolta, os governos então dominantes iriam caindo, um
a um. Por conseqüência, o ano seguinte, chamado de "o ano vermelho", foi
pródigo em movimentos sediciosos, todos eles fracassados e reprimidos com violência.
O Brasil, como não
poderia deixar de ser, viveu a mesma febre dos levantes operários de 1918. No Rio de
Janeiro, as comemorações do 1º de maio lembraram o triunfo, pelo menos aparente, dos
trabalhadores na Rússia. Embora com o Brasil em estado de sítio, os operários cariocas
acorreram à praça Tiradentes, onde aconteceu ruidosa manifestação. As greves e
tumultos, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, se prolongaram por todo o ano.
Em 1922, fundou-se o
Partido Comunista Brasileiro, que viveu a maior parte da década na ilegalidade, impedido
de fazer proselitismo, em face do esquema repressivo montado pelo governo contra
lideranças operárias e sindicatos. Assim, em 1927, os líderes comunistas mudaram sua
estratégia, fundando uma frente única, conhecida como Bloco Operário, ao qual, mais
tarde, se acrescentou um movimento rural, passando a chamar-se Bloco Operário e Camponês
(BOC).
As células do BOC,
espalhadas pelo país, tiveram a mesma sorte do Partido Comunista. Não existia no Brasil
campo para o desenvolvimento de idéias políticas ou reivindicatórias, e as
manifestações, esporádicas e barulhentas, jamais representavam as massas. Nas cidades,
o trabalhador estava mais interessado em garantir seu emprego e o sustento da família. No
campo, reinava ainda o sistema feudal, onde o camponês tinha uma relação de total
dependência com o fazendeiro, que lhe dava casa, comida, meia-dúzia de trocados e
adiantamentos em dinheiro, para atender imprevistos, criando uma dívida impagável, que o
sujeitava à propriedade, em regime de absoluta servidão.
Ação Integralista
Brasileira (AIB)
Brasileira (AIB)
Como já tivemos
oportunidade de ver, o sucesso da revolução de 1930, com a posse de Getúlio Dorneles
Vargas, coincidiu com a busca mundial por regimes políticos radicais, de esquerda e de
direita, retirando o espaço para o desenvolvimento de doutrinas liberais.
Seguindo essa tendência,
dentro do "tenentismo" e fora dele, surgiram "Legiões" inspiradas nos
agrupamentos paramilitares europeus, como os "camisas negras" do fascismo
italiano ou os "camisas pardas" do nazismo alemão. Em tudo, as legiões eram
semelhantes: nos uniformes (mudando apenas a cor), nos símbolos, nos slogans e até na
saudação com o braço erguido. No Brasil, a maioria teve curta duração, mas uma delas,
a Ação Integralista Brasileira (AIB), conseguiu estabelecer bases sólidas e duradouras,
aliando sentimentos comuns à população brasileira, quais sejam, a religião, a
nacionalidade e a estrutura familiar.
A Ação Integralista
Brasileira, com tendências fascistas, foi idealizada pelo escritor Plínio Salgado em
1932. Usava camisas verdes, tinha como símbolo o sigma e, como lema, "Deus Pátria e
Família". Dela participavam os elementos mais reacionários da classe média,
sobretudo estudantes universitários, juntamente com militares.
O integralismo pregava um
"Estado Integral" sem explicar exatamente o que vinha a ser isso. Basicamente
pregava um regime forte, substituindo a representação popular por corporações
sindicais, estudantis e militares. Tinha um caráter profundamente nacionalista,
defendendo fortemente a estatização das riquezas nacionais e, nos demais casos,
assumindo a defesa intransigente da propriedade privada.
Era elitizante e
limitativo, pregando a idéia que o governo deveria ser entregue às "elites
esclarecidas", vale dizer aos que comungavam com suas opiniões. Não descartava o
uso da força, em substituição ao convencimento, e, tal qual o comunismo, considerava a
delação como uma virtude a ser cultivada pelos seus membros.
Aliança Nacional
Libertadora (ANL)
Libertadora (ANL)
Em contraposição ao
integralismo, não tardou em surgir uma frente ampla, igualmente radical, reunindo os mais
variados setores da esquerda: sindicalistas, liberais a procura do espaço perdido,
setores da classe média preocupados com o recrudescimento do fascismo no mundo e, é
claro, os comunistas, frustrados em tentativas anteriores, que encontravam agora um caldo
de cultura apropriado para o desenvolvimento de seus projetos.
Foi assim que surgiu a
Aliança Nacional Libertadora (ANL), firmada na trilogia "Terra, Pão e
Liberdade". Dela faziam parte vários "tenentes", entre eles, Agildo Barata
Ribeiro, um dos heróis da revolução de 1930 na ala norte do país; Benjamim Soares
Cabelho, que veio a se tornar uma figura importante da Terceira República; operários e
jovens acadêmicos, entre estes o estudante Carlos Lacerda (mais tarde jornalista e
político de destaque), cujo pai, Maurício Lacerda, foi um dos precursores da
legislação trabalhista no Brasil.
Ao contrário do que
muitos pensam, não tinha a participação física de Luís Carlos Prestes que, nesse
momento, se encontrava em Barcelona (Espanha) sob o nome falso de Antônio Vilar, em
companhia de Maria Bergner Vilar, que outra não era senão sua mulher, Olga Benário. A
direção da ANL estava entregue a Hercolino Cascardo, o mesmo que, na revolução de
1924, tentou, sem sucesso, sublevar a Marinha.
Embora a frente ampla
não fosse comunista, estes agiram rapidamente no sentido de se destacar entre as demais
correntes, dominando a agremiação, aproveitando-se do idealismo dos outros
participantes. No dia da fundação da ANL, Carlos Lacerda foi escalado para discursar em
nome dos estudantes e, induzido por radicais, caiu em uma armadilha, lançando o nome do
"Cavaleiro da Esperança" como presidente de honra da ANL. Foi assim que Prestes
passou a figurar como Presidente de Honra da associação.
Para o Brasil, o Comitê
Internacional Socialista (Comintern) enviou o agitador alemão Ernst Ewert, com o nome
falso de Harry Berger. Passo a passo, um movimento sério de combate ao fascismo, ia sendo
usado como plataforma para os planos sinistros (e mal calculados) visando a implantação
do regime comunista no Brasil.
A questão dos
soldos militares
soldos militares
Paralelamente, reinava insatisfação nos quartéis pela deterioração salarial, um clima
perigoso, na medida em que a impaciência da jovem oficialidade encontrava eco entre
alguns oficiais superiores. Qualquer aumento, dependia do sinal verde do ministro da
Fazenda, o qual declarara, com firmeza, não haver dinheiro para cobrir as despesas com um
eventual reajuste. Um projeto transitava na Câmara Federal a passo de tartaruga, enquanto
a crise se agravava.
Não tardou em surgir uma
rebelião na guarnição de Cachoeira, no Rio Grande do Sul, contando com apoio ostensivo
do governador Flores da Cunha, a essa altura, de olho na sucessão presidencial. Getúlio
repreende-o em telegrama: "Apelo para teu sentimento brasileiro evitar caia sobre ti
a responsabilidade moral de uma guerra civil."
Nesse meio tempo,
Getúlio Vargas, aconselhado pelo comandante da 1ª Região Militar, general João Gomes,
decide demitir o comandante da Vila Militar, general João Guedes da Fontoura, sobre o
qual recaiam suspeitas de infidelidade ao governo. Acontece que o general Fontoura era
amigo particular do ministro da Guerra, Góis Monteiro.
O problema repercute no
ministério da Guerra, onde o general Góis Monteiro se demite, sendo substituído pelo
general João Gomes Ribeiro Filho, até então comandante da 1ª Região Militar. O
general Eurico Gaspar Dutra, que era comandante da Aviação, ocupa a vaga deixada
na 1ª RM. Essas trocas de comando, anunciadas pela imprensa, aumentam a tensão reinante.
Tais problemas,
cozinhados em "banho-maria", minaram a disciplina militar, facilitando a ação
dos conspiradores, sobretudo no Rio de Janeiro.
A questão dos cabos
e sargentos
e sargentos
Modificações no regulamento militar reintroduziram um dispositivo que existia na
Primeira República, pelo qual, completados dez anos na ativa, os militares que não
tivessem atingido o oficialato seriam automaticamente jubilados, com o afastamento
definitivo da vida militar.
Nas grandes cidades, como
São Paulo e Rio de Janeiro, onde as possibilidades de acesso são maiores, essa
alteração não trazia maiores problemas. Quem em dez anos não houvesse chegado a
tenente, pelo menos, já teria desistido da carreira militar. O mesmo não acontecia em
cidades menores, sobretudo do nordeste, onde muitos permaneciam estacionários na função
de praça, por vezes até o limite de idade para a reforma.
O retorno do jubilamento
de praças, agora fortalecido pela nova ordem constitucional, era outra fonte de atritos,
criando ambiente propício para aliciamento dos prejudicados, interessados que estavam na
revogação da medida. Aliás, foram eles, no nordeste, os grandes responsáveis pelas
sublevações.
Conspiração em marcha
Foi dentro desse clima
que se desenvolveu a conspiração comunista que levaria aos levantes de novembro de 1935.
No momento oportuno, Prestes transferiu-se da Espanha para o Brasil, permanecendo em lugar
ignorado, mas enviando ordens e manifestos, enfim, controlando, passo a passo, o
desenrolar dos trabalhos.
No dia 28 de abril,
realizou-se em Madureira (subúrbio carioca) um comício da Aliança Nacional Libertadora,
em afronta aos integralistas, do qual participaram oficiais, sargentos e cabos. Os
identificados foram expulsos das fileiras do Exército e seus superiores, capitães Carlos
da Costa e Trifino Correia sofreram punições. O assunto repercute na Câmara Federal.
No dia 9 de junho a ANL
realiza outro comício, desta vez em Petrópolis, quase em frente à sede da Ação
Integralista Brasileira, resultando em confronto entre as duas facções, com um morto e
vários feridos. O morto era aliancista e o tiro partiu da sede dos integralistas.
Sem o saber (ou sabendo
muito bem) o comando militar contribuia para o desenvolvimento da ação aliancista. Assim
é que o capitão Agildo Barata Ribeiro, conhecido como um dos conspiradores, foi
transferido para uma unidade militar no Rio Grande do Sul, a pretexto de afastá-lo do Rio
de Janeiro. Com isto, ele aproveitou a oportunidade para fundar em Porto Alegre um núcleo
da Aliança Nacional Libertadora, realizando um comício no dia 5 de julho de 1930, data
comemorativa das revoluções de 1922 e 1924. Por pura sorte, a manifestação transcorreu
em paz, pois o interventor Flores da Cunha já avisara que, ao menor sinal de desordem, a
polícia tinha ordem de "descarregar" sobre os manifestantes.
Na mesma data, outro
comício se realizou, este clandestinamente, no Rio de Janeiro, ocasião em que o
acadêmico Carlos Lacerda leu um manifesto de Luís Carlos Prestes. A reação não
tardou. Em 11 de julho um decreto do governo federal colocou a Aliança Nacional
Libertadora fora da lei e, dois dias depois, sua sede era fechada. Paralelamente,
procedeu-se o fechamento da União Feminina Brasileira, outro braço dos aliancistas.
O presidente da ANL,
Hercolino Cascardo, oficial marinheiro, foi removido para Santa Catarina, onde lhe deram o
comando de uma base naval. Outra remoção igualmente inexplicável, pois se introduzia um
elemento revolucionário, em posição de comando, num local até então desligado do
movimento aliancista.
Getúlio sabia de tudo
Se havia alguém bem informado de tudo o que se passava, e dos planos em andamento, esse
alguém era o presidente da República, Getúlio Dorneles Vargas. Seu serviço de
inteligência mantinha-o a par dos mínimos detalhes, e agentes infiltrados no movimento
colhiam dados significativos, possibilitando até uma ação preventiva. Como linha
auxiliar, o Presidente recebia também ajuda internacional, por intermédio do
"Inteligence Service", infiltrado no Partido Comunista Brasileiro, ora na
ilegalidade.
Em certo momento, já se sabia até a data e hora
do levante: 27 de novembro de 1935, às 2h30 da madrugada, tendo como centro de
operações a Praia Vermelha, mais precisamente, o 3º Regimento de Infantaria.
O governo não só deixou
de cortar o movimento em marcha como algumas medidas permitem entrever que o próprio
sistema ajudou para que as coisas acontecessem, dando margem, mais tarde, para o
fechamento do regime. Assim, por exemplo, na madrugada do levante na Praia Vermelha, as
tropas de reforço levaram duas horas para chegar ao local de conflito, porque não havia
sido tomada a mais elementar das providências, qual seja, a requisição dos caminhões
para o transporte dos soldados. Impossível que um descuido desses partisse logo do
comando da 1ª Região Militar, e isso num momento em que os quartéis do Rio de Janeiro
se achavam em regime de prontidão.
Como se disse acima, o
Capitão Agildo Ribeiro, bem quieto no Rio de Janeiro, foi transferido para Porto Alegre,
onde aproveitou o ensejo para organizar um núcleo da ANL. Já no mês de novembro, o
mesmo Agildo foi punido com 25 dias de detenção. Transferido para o Rio de Janeiro,
ficou preso, adivinhe onde? Justamente no 3º Regimento de Infantaria, de onde deveria
partir o movimento sedicioso. Juntou-se a fome com a vontade de comer. Próximo dos demais
conspiradores, pode agir com o maior desembaraço. Sua pena deveria extinguir-se em 3 de
dezembro. Foi reduzida de 25 para 20 dias, devendo terminar, então, em 28 de novembro. O
levante estava marcado para 27 de novembro...
Em Natal, o movimento
é antecipado
é antecipado
Pelos planos, o levante deveria ocorrer na madrugada de 27 de novembro. Então, os
responsáveis pela conspiração em Natal receberam um telegrama apócrifo, enviado talvez
pelo serviço de contra-informação do governo, mas com a identificação da chefia do
movimento. Esse telegrama informava que o início havia sido antecipado para 23 de
novembro. Inexperientes, os líderes acreditaram na veracidade do telegrama.
Foi assim que, na noite
de 23 de novembro, um sábado, dois sargentos, dois cabos e dois soldados sublevaram o
21º Batalhão de Caçadores. Beneficiados pelo elemento surpresa, conseguiram pôr em
fuga o governador do Estado, que refugiou-se em um navio de bandeira francesa.
Rapidamente, o movimento
se alastrou por outras cidades do Rio Grande do Norte. Colunas rebeldes ocuparam
Ceará-Mirim, Baixa Verde, São José do Mipibu, Santa Cruz e Canguaratema.
Totalmente ingênuos em
movimentos sediciosos, os sublevados acreditavam ter dominado a situação. Tomaram o
palácio do Governo e instalaram um "Comitê Popular Revolucionário" com o
"Ministério" assim constituído: Lauro Cortês Lago (funcionário público),
Ministro do Interior; Quintino Clementino de Barros (sargento), Ministro da Defesa; José
Praxedes de Andrade (sapateiro), Ministro do Abastecimento; José Macedo (carteiro),
Ministro das Finanças; João Batista Galvão (estudante), Ministro da Viação. O cabo
Estevão assumiu o comando do 21º Batalhão de Caçadores, enquanto o sargento Eliziel
Diniz Henriques passou a comandar a Guarnição Federal. E depois? Depois, mais nada.
Ninguém sabia o que fazer (se alguma coisa pudesse ser feita) para consolidar o movimento
supostamente vitorioso.
Nas ruas, a população
exultava com aquele breve momento de anarquia. Durante alguns dias a capital virou terra
de ninguém, com saques, roubos, invasões de domicílio, requisição de veículos
particulares e tudo mais que passasse pela imaginação. Passados os acontecimentos, o
"ex-Ministro da Viação", estudante João Batista Galvão, desbafa:
"Naquele tempo, todo mundo fez o diabo e depois botou a culpa em cima de nós. O povo
topou a revolução por pura farra. Saquearam o depósito de material do 21º BC e todos
passaram a andar fantasiados de soldado. Minha primeira providência como
‘ministro’ foi decretar que o transporte público seria gratuito. O povo se
esbaldou de andar de bonde sem pagar."
Quatro dias depois de
iniciado, o movimento foi contido por tropas do Exército e polícias de outros Estados,
que invadiram o Rio Grande do Norte e restabeleceram a ordem.
Recife seguiu na
esteira de Natal
esteira de Natal
Em Recife, o levante
ocorreu um dias após, quando chegaram notícias da rebelião em Natal. Tinha tudo para
dar certo. O governador, Carlos Lima Cavalcanti se achava na Alemanha, passeando de
"Zepelin" (uma espécie de navio voador que pretendia substituir o avião). O
general Manuel Rabelo (o mesmo que fora interventor em São Paulo) estava no Rio de
Janeiro, cuidando de assuntos militares relativos ao seu comando. O comandante da Brigada
Militar, capitão Jurandir Bizarria Mamede (que trinta anos depois seria o pivô de uma
séria crise militar) estava no Rio Grande do Sul, comemorando o centenário da
Revolução Farroupilha (Note-se que tanto o presidente da República quanto as
autoridades militares tinham conhecimento do ambiente agitação nos quartéis,
prova disso é que o Rio de Janeiro se achava de prontidão. Assim, é surpreendente essa
ausência, a um só tempo, das principais autoridades de Pernambuco) Aparentemente, a
cidade estava sem comando. Mas era apenas aparência .
Na manhã do domingo, dia
24, um sargento, chefiando um grupo de civis, atacou a cadeia pública de Olinda. Logo
depois, o sargento Gregório Bezerra tentava apoderar-se do Quartel General da 7ª Região
Militar, matando o tenente José Sampaio e ferindo o tenente Agnaldo Oliveira de Almeida,
antes de ser subjugado e preso.
Na Vila Militar, o
capitão Otacílio Alves de Lima, o tenente Lamartine Coutinho e o tenente Roberto
Besouchet sublevaram o 29º Batalhão de Caçadores e se apossaram de todo armamento.
Encontraram porém, uma reação imediata do tenente-coronel Afonso de Albuquerque Lima,
sub-comandante da brigada policial, com a ajuda, também, da Guarda Civil. No dia
seguinte, chegou o reforço da Artilharia e o único quartel realmente sublevado, o 29º
BC sofreu intenso bombardeio, resultando em uma centena de mortos.
Os que conseguiram fugir
pelas estradas, deram de frente com tropas da polícia estadual, que se achavam em batida,
à procura do cangaceiro "Lampião". Em dois dias, pois, o movimento estava
totalmente dominado.
Tragédia na Praia Vermelha
Se o telegrama falso
chegou rapidamente a Natal, o inverso não é verdadeiro. Os conspiradores no Rio de
Janeiro não sabiam nada sobre o que estava acontecendo no nordeste e entraram em armas,
desconhecendo que os movimentos em Natal e Recife haviam se iniciado fora de tempo e já
estavam debelados. Funcionou mais uma vez o serviço de contra-informação, bloqueando a
comunicação, tão importante em operações de guerra. Vamos, aqui, seguir a narrativa
do general Ferdinando de Carvalho, em seu livro "Lembrai-vos de 35!":
"Na Escola de
Aviação, em Marechal Hermes, os capitães Agliberto Vieira de Azevedo e Sócrates
Gonçalves da Silva, juntamente com os tenentes Ivan Ramos Ribeiro e Benedito de Carvalho
assaltaram o quartel de madrugada e dominaram a unidade. Vários oficiais foram
assassinados ainda dormindo. O capitão Agliberto matou friamente o seu amigo capitão
Benedito Lópes Bragança, que se achava desarmado e indefeso. Em seguida, os rebeldes
passaram a atacar o 1º Regimento de Aviação, sob o comando do coronel Eduardo Gomes
que, apesar de ferido ligeiramente, iniciou a reação. (...)
"No 3º Regimento de
Infantaria, na Praia Vermelha, acontecimentos mais graves ocorreram. Os rebeldes,
chefiados pelos capitães Agildo Barata, Álvaro Francisco de Sousa e José Leite Brasil
conseguiram, na mesma madrugada, após violenta e mortífera refrega no interior do
quartel, dominar quase totalmente a unidade. Ao amanhecer, restava apenas um núcleo de
resistência legalista, situado no Pavilhão do Comando, onde se encontrava o coronel
Afonso Ferreira, comandante do Regimento. (...)
"Nas últimas horas
da madrugada, acionados diretamente pelo comandante da 1ª Região, general Eurico Gaspar
Dutra, o Batalhão de Guardas e o 1º Grupo de Obuses tomaram posição nas proximidades
do aquartelamento rebelado e iniciaram o bombardeio. (...)
"Finalmente, às
13h30, bandeiras brancas improvisadas foram agitadas nas janelas do edifício,
parcialmente destruído. Era a rendição. Presos, os insurretos apresentaram-se na praça
em um compacto grupo. Muitos rebeldes adotaram uma atitude de zombaria, sorrindo
cinicamente, em franco desrespeito àqueles que, naquele mesmo local, pouco tempo antes,
haviam tombado em luta inglória."
O outro lado da história
Essa narrativa, apresentando a versão oficial, não encontra consenso entre os estudiosos
da História do Brasil. Sobre o assunto, por exemplo, o professor Marco Aurélio Garcia,
da Unicamp, em artigo publicado pela Folha de São Paulo em 18 de novembro de 1983,
escreve:
"Para as Forças
Armadas, segundo reiteram as ordens do dia a cada ano, a Intentona apenas comprova o que
de há muito se deveria saber: o caráter ‘apátrida e traiçoeiro do comunismo
internacional’. Como prova, são exibidos cadáveres de oficiais e soldados
‘mortos enquanto dormiam’. A reiteração monótona desta versão não resiste
aos fatos. Todas as pesquisas históricas sérias realizadas sobre o episódio, sobre as
quais será difícil levantar suspeição, como é o caso do trabalho de Hélio Silva,
desmontam, com o apoio dos laudos dos médicos legistas da época, a tese de
‘assassinato pelas costas’.
"Em suma: não houve
mortos enquanto ‘dormiam’, sem falar no absurdo que representaria soldados
dormindo em quartéis submetidos a regime de prontidão, como era o caso da madrugada do
levante. Mortos houve, e dos dois lados, como nos levantes de 22 e 24, na Coluna Prestes
ou em 30, para não falar em 1932. (...)
"As Forças Armadas,
elas próprias, se viam afetadas pela polarização política que sacudia o país. Trinta
e cinco, nesse sentido, pode ser visualizado, também, como mais um (e quem sabe o
último) episódio tenentista, a despeito do revestimento ideológico mais preciso. (...)
"Somente através
destas e de outras pistas – afastando-se da propaganda anticomunista, ou da
autocomplacência de certos setores à esquerda – é que o episódio de 1935 poderá
ser restituído em toda sua integridade à História do Brasil."
Aí estão, pois, duas
versões distintas de um mesmo episódio. Escolha a que melhor lhe convier ou tire, por si
mesmo, as conclusões que julgar apropriadas.
FONTE: http://www.pitoresco.com/historia/republ207.htm
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