O CATIMBÓ DO RIO GRANDE DO NORTE (INÍCIO DO SÉCULO XX)
O fragmento abaixo é uma análise da pesquisa do professor Sérgio
Santiago, publicada originalmente em 1973, em Natal, capital do Rio
Grande do Norte. O livro do professor Santiago, hoje relativamente
difícil de se encontrar, se chama Ritual Umbandista, citado por Luís da Câmara Cascudo na introdução do clássico Meleagro.
Santiago pesquisou o Ritual Umbandista interpretando-o
parapsicologicamente. Suas opiniões nem sempre foram claras, chegando a
generalizar em alguns momentos em sua tentativa de explicar racional e
cientificamente a Umbanda (e junto a ela a Pajelança, o Catimbó e o
Kardecismo). Mesmo assim, seu livro merece uma reedição.
Ao tentar analisar a construção histórica do Catimbó-Jurema, selecionei
as memórias de Sérgio Santiago, inserindo-as nas descrições coletadas
por outros estudiosos do Catimbó do século XX.
"No começo do século XX, Sérgio Santiago, ainda criança, assistiu a
catimbós, dos quais um marcou sua vida. Conta sobre as sessões em
interessante livro chamado Ritual Umbandista, no qual faz os papéis de historiador, etnógrafo e parapsicólogo. Vejamos algumas palavras do citado pesquisador:
Ainda menino compareci, em companhia de pessoas de minha família, a
algumas sessões de catimbó. Um tio meu havia adoecido dos nervos. Depois
de esgotados os escassos recursos médicos de então, resolveu a família
recorrer aos catimbozeiros.
Preparamo-nos e seguimos para S. José do Mipibu em busca da casa da
conhecida feiticeira Maria Tomásia, onde estivemos oito dias. Perdido,
porém, foi o tempo que passamos ali. Malogradas foram todas as
tentativas para a realização dos "trabalhos", em virtude do permanente
estado de embriaguês em que vivia a mulher.
Dai rumamos à vila de Papari (hoje Nísia Floresta), a procura da
casa de Antônio Gabilão, que, segundo tínhamos sido informados, morava
no Alto do Cemitério. Esse homem não sabia nem sequer mistificar. Nas
suas "sessões", no chão, umas velas acesas, uma xícara com cachaça.
Cantava baixinho um canto soturno. Todas as noites ensaiava um truque
grosseiro. Deslizando os dedos sobre o nariz do doente, fingia tirar
besouros dali.
Suas escamoteações não puderam convencer a ninguém, é certo, mas não
abalaram a credulidade arraigada na alma simples e ingênua dos meus
parentes. E ele pelo seu "trabalho" recebeu presentes e dinheiro
enquanto o doente continuou na mesma.
[...]
Mas, de todas as sessões de catimbó e espiritismo a que compareci
quando ainda menino, guardo a nítida lembrança da cena que me ficou da
casa do velho feiticeiro Belarmino, da Serraria, do outro lado do
Potengi.
Em poucas palavras vou relatar o que vi.
Isto aconteceu lá pelos idos de 1914, quando a mãe de uma família
amiga adoeceu gravemente dum mal, que julgaram ser "coisa feita".
Concordaram, então, as filhas da doente com elementos da minha
família em recorrer aos "trabalhos" do mencionado macumbeiro. Coisa,
aliás, muito em voga naquela época. Os cuidados médicos eram difíceis
para muitas pessoas de diversas camadas populares.
Saímos da casa depois da ceia. Éramos quatro ou cinco pessoas com a
doente. Atravessamos o rio numa canoa e chegamos na casa do velho já
tarde da noite. Não tardaram os preparativos para a sessão. Uma toalha
branca foi estendida no meio da sala, sobre a qual colocaram velas
acesas, imagens de Santos, cachimbos, garrafas de aguardente, tigelinhas
de barro, etc. Iniciaram os trabalhos com cânticos monótonos e graves. O
ambiente era silencioso, com aparatos de cunho emocional, semelhantes
aos que presenciei em algumas Tendas de Umbanda que acabo de frequentar.
Acocorados em torno da mesa ficamos todos. O velho toma lugar numa das
cabeceiras. A aguardente domina. À medida que as tigelinhas com a bebida
se iam esvaziando e se enchendo, o ambiente ia se tornando mais tenso,
culminando no instante em que o velho se levanta "atuado" e sai
sapateando em volta da mesa, até cair bruscamente junto da doente.
Quando então se levantam os filhos e soprando seus cachimbos pelo lado
oposto defumam o pai da cabeça aos pés. Com a sala cheia de fumaça o
ambiente fica irrespirável. Minutos após esta cena o feiticeiro ergue-se
rapidamente e põe a boca na altura do ombro da doente e começa a
chupar-lhe a pele. Feito isto, já de pé com o semblante grave, cospe na
mão e sai mostrando, à luz das velas, aos presentes, o que havia
"extraído" do corpo da enferma: uma baba sanguinolenta, misturada com
cabelo e contas de rosário.
Todos olhavam admirados e estarrecidos para aquilo, julgando fosse a
causa da enfermidade... Creio que, aos olhos dos meus parentes e aos
das filhas da enferma, vendo o velho "arrancar" aquela mistura
repugnante do organismo da doente, talvez lhes parecesse uma coisa
maravilhosa, quase um milagre... Mas quanto a mim, a dúvida ficava-me no
espírito, mesmo tomado de espanto [SANTIAGO, 1973, p. 123-125]".
No último capítulo de meu livro ensaio a
construção do Catimbó-Jurema ao longo do tempo, partindo dos rituais e
crenças indígenas dos séculos XVI e XVII relatados por José de Anchieta,
Jean de Léry e Roulox Baro, em direção à Jurema estudada por mim em
Canguaretama no início deste século. É uma análise ousada, ainda em
construção, que pretendo complementar com meu próximo trabalho - que
possivelmente será intitulado ANTIGOS ESPÍRITOS TARAIRIU, KIRIRI E POTIGUARA.
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