Algumas informações sobre os escravos do Rio Grande

Desde o princípio da construção da Fortaleza dos Reis Magos (6 de janeiro de 1598), já se constata a presença dos chamados “negros de serviço da fortaleza”, empregados nos estafantes trabalhos de edificação daquela fortificação . O primeiro capitão-mor do Rio Grande, João Rodrigues Colaço, logo após a pacificação dos indígenas potiguares, volveu suas vistas para as terras banhadas pelo rio Potengi, pretendendo nelas plantar suas roças. Para tal fim, apossou-se de terras naquele rio, no território hoje correspondente ao município de São Gonçalo do Amarante-(RN). Aos 9 de janeiro de 1600, o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, efetuou a doação oficial daquelas terras, conforme constou do capítulo anterior. No seu requerimento, através do qual pretendia a doação daquelas terras, João Rodrigues Colaço referia-se ao fato de que “comprara escravos de Guiné’ e os puzera “com um feitor, para começarem a plantar mantimentos”, “visto ser a primeira pessoa que começou a roçar e fazer benfeitorias no Rio Grande” . A presença do escravo, principalmente do escravo negro foi uma constante nas atividades econômicas da Capitania, e depois Província do Rio Grande do Norte. O braço escravo foi o construtor material do seu progresso, de 1598 a 1888. Os antigos assentamentos de batizados, casamentos e óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande, referentes ao período de 1727a 1760, nos fornecem dados informativos preciosos, sobre o fenômeno da escravidão nas plagas norte-riograndenses. Os dados disponíveis nos dão conta de escravos pretos, indígenas e mestiços. Os pretos dividiam-se em dois grupos: os provenientes do continente africano e aqueles já nascidos no Brasil, os crioulos. Os indígenas, ou gentios da terra, eram tapuias de diversas procedências escravizados por ocasião da chamada Guerra dos Bárbaros, ou Guerra do Gentio Tapuia, episódio ocorrido a partir do ano de 1683, e cuja duração estendeu-se por quatro décadas. Do cruzamento genético do branco com a negra, surgiu o mulato. O mestiço do mulato com a negra obtinha a denominação de cabra. O fruto da miscigenação ocorrida, entre o branco e a indígena, recebia a denominação de mameluco. Havendo o cruzamento do negro com a indígena, o filho resultante recebia a classificação de cafuzo. Quando a mistura tornava-se por demais complexa, ou de difícil identificação, o indivíduo era classificado como par¬do. A classificação dos negros vindos da costa d’África era efetuada de acordo com os portos, de onde eram aqueles escravos provenientes. Na documentação disponível, deparamo-nos com indivíduos dos gentios de Guiné (os mais numerosos), de Angola, de Arda, da Costa da Mina, de Benguela e de Cachéu. Quanto aos tapuias escravos, a documentação nos dá conta de gentios das nações Putigi, Caboré, Panicuaçu, Jan¬duim, Paiacu, Capela, todos eles falando o mesmo idioma; “do sertão dos lcós”, provavelmente da nação lcó, do grupo Cariri, do sertão cearense; Jaguaribara, de classificação étnica imprecisa. Analisando-se os assentamentos eclesiásticos, constata¬mos uma grande percentagem de casamentos entre elementos das raças negra e tapuia, não se sabendo se tais matrimônios eram casuais, ou se recebiam uma certa influência patronal. Talvez houvesse o interesse dos Senhores em eliminar os vestígios étnicos e culturais do elemento tapuia, transformando os seus descendentes, através da miscigenação com a raça negra, em indivíduos mais afins com esta última. Outra hipótese é a de que os mestiços, do cruzamento do preto com o tapuia, seriam portadores de maior vigor físico, superior ao das duas raças-¬troncos. Trata-se de um fenômeno conhecido, pelos geneticistas, como o vigor dos híbridos. Realizando-se uma estatística, no tocante à duração de vida ou longevidade dos escravos, constata-se uma média de somente 29 anos. Considerando-se apenas os indivíduos falecidos com idade superior a 18 anos, aquela média de longevidade chega aos 42 anos. O trabalho forçado, a habitação precária, a alimentação deficiente, as más condições de higiene, as doenças epidêmicas, os traumas físicos e emocionais, tudo isso contribuía para a curta duração de vida dos escravos, pretos e tapuias. Convém salientar que os escravos, sempre que possível, recebiam toda a assistência religiosa necessária, por ocasião dos seus falecimentos. Eram sepultados em igrejas, nos adros das mesmas, ou nos alpendres existentes à frente de algumas capelas. Por ocasião dos sepultamentos, trajavam mortalhas ou hábitos, confeccionados de hamburgo, holanda, linhaça, linho, outros panos brancos; as crianças trajavam tecidos de tafetá carmezim, tecidos encarnados, etc. Muitos escravos eram envoltos em esteiras, para o sepultamento. Antigos cronistas nos deixaram informações sobre os grupos de escravos, vindos da Costa d’Africa. André João Anto¬nil, no seu livro Cultura e Opulência do Brasil, publicado em 1711, declarava:

“Os que vêm para o Brasil são ardas, minas, congos, de São Tomé, de Angola, de Cabo Verde e alguns de Moçambique, que vem nas naus da Índia. Os ardas e os minas são robustos. Os de Cabo Verde e de São Tomé são mais fracos. Os de Angola, criados em Luanda, são mais capazes de aprender ofícios mecânicos que os das outras partes já nomeadas. Entre os congos, há também alguns bastantemente industriosos e bons não somente para o serviço da cana, mas para as oficinas e para o meneio da casa” .

O francês L.F. Tollenare, que escreveu, em 1817, as suas Notas Dominicais, afirma:

“Os negros trazidos da África vêm de Angola, Cabinda, Benguela, Gabão e Moçambique, não os trazem mais da Costa de Ouro, desde que o governo português se comprometeu a não permitir mais o tráfico ao norte do Equador. Eram os mais bonitos. Os mais hábeis e mais convenientes para o serviço nas cidades são os negros de Angola; os Cabindas e Benguelas são dóceis e excelentes para o trabalho agrícola; os Gabões são ferozes e maus; injuria-se um negro chamado-se-o de Gabão. Os de Moçambique são fracos e pouco inteligentes; todos os carregamentos que deles vi chegar aqui eram miseráveis” .

MEDEIROS FILHO, Olavo de –Terra Natalense. Natal, Fundação José Augusto, 1991. 214p.

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