OS BANDEIRANTES – A VERDADE POR TRÁS DE UM FALSO MITO

Durante muito tempo, os bandeirantes foram encarados como "heróis". Eles teriam sido os desbravadores que contribuíram para a construção de nosso país, expandindo nossas fronteiras.

Neste sentido, a ficção literária contribuiu muito para a difusão do mito dos "heróis bandeirantes". Entre essas obras podemos destacar "A Bandeira de Fernão Dias", romance publicado pela primeira vez em 1928.

Seu autor, Paulo Setúbal, se especializou em romances históricos e costumava enfatizar que suas obras baseavam-se em documentação histórica, o que supostamente conferia veracidade aos seus relatos.

Outra importante contribuição foi a dada pelo escritor e desenhista Belmonte, pseudônimo de Benedito Bastos Barreto (1896-1947), que em 1940 lançou um livro escrito e ilustrado por ele: "No Tempo dos Bandeirantes". As ilustrações desse livro mostravam os bandeirantes vestidos de maneira elegante,com barba, chapelão de abas largas, botas e portando mosquetes.

Belmonte foi um artista importante, conhecido pelas suas brilhantes charges contra o nazismo que criou durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e pelas ilustrações que produziu para as primeiras edições da famosa série de livros infantis de Monteiro Lobato, "O Sitio do Pica-pau Amarelo".


No entanto, como historiador, seu trabalho pecava por apresentar a ficção como verdade histórica. Belmonte queria que os paulistas se orgulhassem do seu passado. Isso se explica pelo fato de que Belmonte era um regionalista fervoroso, que amava São Paulo e chegava a escrever cartas aos jornais criticando o estado de abandono dos monumentos históricos.

Mesmo não sendo fiéis à realidade histórica, os bandeirantes desenhados por Belmonte serviram de modelo para livros didáticos durante décadas. Serviram de modelo até para o monumento a Borba Gato, obra do escultor Júlio Guerra. Esse monumento encontra-se na entrada de Santo Amaro, bairro da cidade de São Paulo, onde o escultor Júlio Guerra, autor da obra, nasceu.

Será que o verdadeiro Borba Gato, que viveu de 1628 a 1717, era mesmo merecedor de um monumento em sua homenagem? Durante vinte anos Borba Gato foi procurado pelo assassinato de dom Rodrigo Castelo Branco, então Administrador-Geral das Minas Gerais.

Uma das razões do crime teria sido a descoberta de ouro durante uma expedição. No entanto, quando foram descobertas as principais jazidas de ouro, a Coroa portuguesa perdoou Borba Gato em troca dos conhecimentos que o bandeirante tinha da região.

Outro bandeirante bastante homenageado pela memória oficial é Fernão Dias, cujo nome foi dado à estrada que liga São Paulo a Minas Gerais. Como vimos, Fernão Dias serviu de inspiração para um livro do romancista Paulo Setúbal. Outra obra inspirada na vida de Fernão Dias é o poema "O Caçador de Esmeraldas", de autoria do poeta Olavo Bilac.

O título do poema foi inspirado no fato de que Fernão Dias morreu acreditando que as pedras verdes sem valor que havia encontrado no sertão mineiro eram esmeraldas valiosas.

Na vida real, o "caçador de esmeraldas" foi responsável pela captura e venda de vários indígenas. Ele liderou um ataque à serra de Apucarana, localizada onde hoje é o estado do Paraná, que resultou na captura de cerca de cinco mil indígenas.


A captura de indígenas para serem vendidos como escravos foi a base da economia paulista até o século 17. Naquela época, essa prática era tão lucrativa que era chamada de "negócio do sertão". Uma das razões para essa lucratividade foi o aumento da demanda por escravos indígenas para compensar a falta de escravos africanos no Rio de Janeiro e na Bahia durante o domínio holandês em Pernambuco.

Durante esse período os holandeses passaram a controlar o tráfico de escravos trazidos da África, o que dificultava a importação de escravos na América portuguesa. A solução encontrada pelos senhores de escravos no Rio de Janeiro e na Bahia foi comprar índios capturados pelos bandeirantes.


No entanto, a maioria dos indígenas capturados pelos bandeirantes foi vendida para fazendas de trigo paulistas. Segundo o historiador John Manuel Monteiro, autor do livro "Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo", essas fazendas conheceram o seu auge no período que vai de 1630 a 1680, quando algumas delas tinham mais de cem escravos índios.

Seja em busca de ouro e outras pedras preciosas, seja em busca de índios para aprisionar e vender, os bandeirantes enfrentavam uma série de perigos e desconfortos: ataques de onças; picadas de cobras, aranhas e insetos; doenças; sem falar na própria resistência oferecida pelos indígenas...

Curiosamente, as expedições organizadas com o intuito de capturar índios também contavam com a participação de outros índios, que eram usados como guias e em outras tarefas, e de vários mestiços, filhos de homens brancos com mulheres indígenas. Na São Paulo daquela época a influência da cultura indígena era tão grande que o tupi era mais falado que o próprio português.

Outro fator que incentivou o aumento da captura de índios foi a própria pobreza em que vivia a maioria dos paulistas. A falta de perspectiva levou vários paulistas a acreditarem que a única forma de saírem da miséria era capturar índios para vender como escravos.

Essa razão não diminui em nada a violência que era praticada contra os indígenas, mas torna a situação mais compreensível e mostra o quanto a realidade daquela época era mais complexa do que se imagina.

Ñeste sentido, o que contribuiu para a contrução do mito em torno da figura dos bandeirantes foi a própria transformação de São Paulo em uma metrópole entre os séculos XIX e XX. No período colonial, São Paulo não passava de um povoado isolado com pouco mais de mil habitantes.

O crescimento do ciclo do café contribuiu para que São Paulo adquirisse verdadeira pujança econômica. A região ganhou a fama de "terra do trabalho", lugar de progresso. As elites paulistas resolveram difundir uma história idealizada, segundo a qual, as raízes desse progresso já existiam na época dos bandeirantes. Os membros da aristocracia do café seriam os descendentes diretos dos "heróicos bandeirantes".


Os paulistas, especialmente os membros da elite, traziam "no sangue" a herança dos bandeirantes, homens valentes que não tinham medo de desafios, o que explicaria porque os paulistas eram trabalhadores dedicados e incansáveis.

Repare que esse regionalismo está carregado de preconceito em relação aos habitantes de outras partes do Brasil: São Paulo seria uma exceção, terra de riqueza e progresso num país de miséria e atraso; o paulista leva o trabalho a sério enquanto os brasileiros de outros lugares seriam "preguiçosos".

Fonte: Portal UOL.

Comentários

  1. É uma pena que nós, brasileiros, ainda tenhamos que "aceitar" certas mentiras a respeito de nossa história. Sabemos que tivemos que engolir muitas delas, principalmente por ocasição da ditadura, mas a 'verdade' já vem de há muito, bem antes da ditatura.
    Se hoje ainda temos na figura de nossos polílticos as mesmas ou piores características desses tão propalados "bandeirantes, uuuggghhh !" é por herança, assim como toda nossa história, a começar pelo ora "São" José de Anchieta,(coitado, acho que nem sabia ele o que estava fazendo no Brasil, mandado pelo clero espanhol), mas que inocentemente ( e ainda bem), serviu prontamente aos desejos da ideologia da época.

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  2. o autor do texto é tendencionista...Quanto ao assassinato creditado ao Manuel Borga Gato, também seria interessante ler a obra que citei acima, baseada inclusive em missivas e documentos históricos, retratam a real causa... inclusive menciona quem foi o "bondoso" dom Rodrigo Castelo Branco...sugiro uma leitura na obra literária, interessante, é a "Boa Ventura - A Corrida do Ouro No Brasil" - de Lucas Figueiredo... esse sim retrata de modo bem real sobre a atuação dos bandeirantes por nossas terras... das dificuldades e sucesso...BASEADA EM DOCUMENTOS E MISSIVAS DA ÉPOCA...

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  3. Os bandeirantes realmente existiram. Mas eram pobres e miseráveis, realmente. No início de tudo, o Brasil cagava pra SP. Que só se enriqueceu com a mudança das indústrias saíndo do RJ pra SP.

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